quinta-feira, junho 24, 2010

Definições dos Nove Traços ou Defeitos Principais segundo Gurdjieff



Após analisar detidamente os Traços ou Defeitos Principais definidos por Gurdjieff e confrontá-los com os que outros pesquisadores do Eneagrama destacam, baseados nas descobertas de Ichazo, consegui isolar todas as definições com as quais ele os "retratava" tão magistralmente. Novamente os livros Fragmentos de um ensinamento desconhecido e Gurdjieff fala a seus alunos foram fundamentais para realizar essa pesquisa. Vejamos por Grupos.


Traços Principais dos Tipos 8, 9 e 1 (Centro do Movimento-Questão Nuclear: Esquecimento de Si Mesmos)

Tipos 8
"Existem diversas espécies de consideração. Na maior parte dos casos, o homem se identifica com o que os outros pensam dele, com a maneira com a qual o tratam, com sua atitude para com ele [...] pensa sempre que as pessoas não o apreciam o suficiente [...] Tudo isso o aborrece, o preocupa, o torna desconfiado; desperdiça em conjecturas ou em suposições enorme quantidade de energia; desenvolve nele, assim, uma atitude desconfiada e hostil para com os outros. Como olharam para ele, o que pensam dele, o que disseram dele, tudo isso assume a seus olhos enorme importância. E considera não só as pessoas, mas a sociedade e as condições históricas. Tudo o que desagrada a tal homem lhe parece injusto, ilegítimo, falso e ilógico. E o ponto de partida de seu julgamento é sempre que as coisas podem e devem ser modificadas. A 'injustiça' é uma dessas palavras que servem freqüentemente de máscara a [este tipo de] 'consideração' [interna]. "

Tipos 9
"[...] Sem auxílio exterior, um homem nunca pode se ver. Por que é assim? Lembrem-se. Dissemos que a observação de si conduz à constatação de que o homem se esquece de si mesmo sem cessar. Sua impotência em lembrar-se de si é um dos traços mais característicos de seu ser e a verdadeira causa de todo o seu comportamento. Essa impotência manifesta-se de mil maneiras. Não se lembra de suas decisões, não se lembra da palavra que deu a si mesmo, não se lembra do que disse ou sentiu há um mês, uma semana ou um dia ou apenas uma hora. Começa um trabalho e logo esquece por que o empreendeu, e é no trabalho sobre si que esse fenômeno se produz com especial freqüência."

Tipos 1:
"Outro exemplo, talvez pior ainda, é o do homem que considera que na sua opinião, 'deveria' fazer algo, quando na realidade, não tem que fazer absolutamente nada. 'Dever' e 'Não dever' é um problema difícil; em outras palavras, é difícil compreender quando um homem realmente 'deve' e quando 'não deve' (fazer algo)."

Traços Principais dos Tipos 2, 3 e 4 (Centro Emocional-Questão Nuclear: Identificação)

Tipos 2:
"Há duas espécies de amor. Um é o amor escravo. O outro deve ser adquirido pelo trabalho sobre si. O primeiro não tem valor algum; só o segundo, o amor que é fruto de um trabalho interno, tem valor. É o amor de que todas as religiões falam. Se você amar, quando 'isso' [a máscara] ama, esse amor não depende de você e não haverá nenhum mérito nisso. É o que chamamos 'amor de escravo'. Você ama até mesmo quando não deveria amar. As circunstâncias fazem-no amar mecanicamente [...]"

Tipos 3:
"Sugiro que cada um faça a si mesmo a pergunta 'Quem sou eu?' Estou certo de que 95% de vocês ficarão perturbados... Isso prova que um homem viveu toda a sua vida sem se fazer essa pergunta e considera perfeitamente normal que ele seja 'algo', e até mesmo algo muito precioso, algo que jamais pôs em dúvida. Ao mesmo tempo, é incapaz de explicar a outra pessoa o que esse algo é, incapaz de dar a menor idéia desse algo, porque ele próprio não o sabe. E se não sabe, não será simplesmente porque esse algo não existe, mas apenas se supõe existir? Não é estranho que fechem os olhos, com tão tola complacência, ao que realmente são, e passem a vida na agradável convicção de que representam algo precioso? Esquecem de ver o vazio insuportável por trás da soberba fachada criada por seu auto-engano e não se dão conta de que essa fachada só tem um valor puramente convencional. "
Ouspensky lembra que alguém perguntou: "O que é que não compreendemos?" E Gurdjieff respondeu: "Estão de tal modo habituados a mentir, tanto a si mesmos como aos outros, que não encontram nem palavras nem pensamentos, quando querem dizer a verdade. Dizer a verdade sobre si mesmo é muito difícil. Antes de dizê-la, deve-se conhecê-la. Ora, não sabem nem mesmo em que ela consiste [...]."

Tipos 4:
"Qual o papel do sofrimento no desenvolvimento de si?" Ele respondeu: "Existem duas classes de sofrimento: consciente e inconsciente. Somente um tolo sofre inconscientemente. Na vida existem dois rios, duas direções. No primeiro rio, a lei é somente para o rio, não para as gotas d'água. Nós somos as gotas. Num momento uma gota está na superfície, num outro momento está no fundo. O sofrimento depende da sua posição. No primeiro rio, o sofrimento é completamente inútil, porque é acidental e inconsciente. Paralelo a esse rio tem um outro. Neste outro rio existe outra classe de sofrimento. A gota do primeiro rio tem a possibilidade de passar ao segundo. 'Hoje' a gota sofre porque 'ontem' não sofreu o suficiente. Aqui opera a Lei de Retribuição. A gota também pode sofrer por antecipação, tarde ou cedo tudo se paga. Para o Cosmo o tempo não existe. O sofrimento pode ser voluntário e somente o sofrimento voluntário tem valor. A gente pode sofrer simplesmente porque se sente infeliz. Ou pode sofrer por 'ontem' para preparar-se para o 'amanhã'. Repito: somente o sofrimento voluntário tem valor. "

Traços Principais dos Tipos 5, 6 e 7 (Centro Intelectual-Questão Nuclear: Consideração Interna)

Tipos 5:
"É impossível lembrar-se de si mesmo. E não podemos nos lembrar, porque queremos viver unicamente pelo mental... Talvez vocês se lembrem do que dissemos do homem: nós o comparamos a uma atrelagem com um amo [o Ser], um cocheiro [Centro Intelectual], um cavalo [Centro Emocional] e uma carruagem [Centro do Movimento]. Não podemos nem falar do amo pois ele não está presente; de modo que só podemos falar do cocheiro. Nosso mental é o cocheiro... Todos os interesses que temos em relação à mudança, à transformação de nós mesmos pertencem apenas ao cocheiro, quer dizer, são unicamente de ordem mental... A transformação não se obtém pelo mental; se for pelo mental, não tem nenhuma utilidade. Por essa razão devemos ensinar, e aprender, não por meio do mental, mas do sentimento e do corpo... Naqueles que estão aqui se levantou acidentalmente um desejo de chegar a algo, de mudar alguma coisa. Mas apenas no mental. E nada mudou ainda neles. Não passa de uma idéia que têm na cabeça e cada um permanece o que era. Mesmo aquele que trabalhasse mentalmente durante dez anos, que estudasse dia e noite, que se lembrasse mentalmente e lutasse, mesmo esse não realizaria nada útil ou real, porque mentalmente nada há para mudar. O que deve mudar é a disposição do cavalo. O desejo deve estar no cavalo e a capacidade na carruagem. Mas como já dissemos, a dificuldade é que, devido à má educação moderna, a falta de relação entre nosso corpo (carruagem), nosso sentimento (cavalo) e nosso mental (cocheiro) não foi reconhecida desde a infância, e a maioria das pessoas está tão deformada que não há mais linguagem comum entre uma parte e outra..."

Tipos 6:
"O homem, às vezes, se perde em pensamentos obsessivos, que voltam e tornam a voltar em relação ao mesmo objeto, às mesmas coisas desagradáveis que imagina, e que não apenas não ocorrerão, mas, de fato, não podem ocorrer. Esses pressentimentos de aborrecimentos, doença, perdas, situações embaraçosas se apoderam muitas vezes de um homem a tal ponto, que assumem a forma de sonhos despertos. As pessoas deixam de ver e ouvir o que realmente acontece, e, se alguém conseguir provar a elas, num caso preciso, que seus pressentimentos e medos são infundados, elas chegam a sentir certa decepção, como se tivessem sido frustradas de uma perspectiva agradável...
O medo inconsciente é um aspecto muito característico do sono...
As pessoas não suspeitam até que ponto estão em poder do medo. Esse medo não é fácil de definir. Na maioria dos casos, é o medo de situações embaraçosas, o medo do que o outro pode pensar. Às vezes o medo se torna quase uma obsessão maníaca. "

Tipos 7:
"O homem, bem no seu íntimo, 'exige' que todo mundo o tome por alguém notável, a quem todos deveriam constantemente testemunhar respeito, estima e admiração por sua inteligência, por sua beleza, sua habilidade, seu humor, sua presença de espírito, sua originalidade e todas as suas outras qualidades. Essas 'exigências', por sua vez, baseiam-se na noção completamente fantasiosa que as pessoas têm de si mesmas, o que acontece com muita freqüência, mesmo com pessoas de aparência muito modesta [...]."

Fonte: Eneagrama dos Traços ou Defeitos Principais de acordo 
com os Nove "Retratos Psicológicos" de Gurdjieff

sexta-feira, junho 04, 2010

ENEATIPO VI. AMOR SUBMISSO E AMOR PATERNALISTA

      Falta-nos apenas considerar as perturbações da vida amorosa do medroso. Falar de medo é
falar de desconfiança, e existe incompatibilidade entre a desconfiança e o amor – porque falar de
desconfiança é falar de sentir-se ante um possível inimigo, e não é fácil amar os inimigos.
      Se há temor, e porque o temor exige estar em guarda, teme-se a entrega. Teme ser
enganado, submetido, humilhado, controlado; e isto leva também ao autocontrole e à inibição da
corrente da vida em vista de uma excessiva necessidade de proteção.
      Não menos importante que tudo isto é, no entanto, a contaminação do amoroso com as
motivações autoritárias que caracterizam este tipo de personalidade. Digo “motivações”, no plural,
para abarcar com o termo tanto a paixão de mandar como a mais comum paixão de obedecer – ou,
melhor, de ter uma autoridade para seguir.
      Ainda que na apresentação que fiz dos caracteres não assinalei as três variedades de cada
um deles segundo a  protoanálise, faz-se necessário, no caso dos autoritários-suspicazes que
constituem nosso EVI, diferenciar aqueles demasiado inclinados ao culto de heróis, daqueles que
tendem à grandiosidade e a uma visão heróica de si mesmos. No primeiro caso, trata-se de pessoas
muito dependentes, para quem a angústia de escolher e a insegurança com respeito a suas próprias
capacidades os leva a uma excessiva necessidade de pai. No segundo, aqueles que, em rivalidade
com seu próprio pai (às vezes em corpo de mãe) assumem a autoridade e se elevam em relação
aos demais esperando sua subordinação. Assim como a angústia dos primeiros se acalma ao
encontrar protetores, tranqüiliza aos segundos sentirem-se  poderosos e obedecidos – como mostra
uma caricatura de Hitler: ante uma imensa assembléia, rodeado por seu estado maior, em um
estádio em que se ergue uma grande suástica, abre seu discurso dizendo: “Creio poder dizer sem
medo de equivocar-me...”
      É de interesse saber que Hitler, mal-tratado por seu pai quando criança, desenvolveu a
intenção de dar um bom pai ao seu país. Os exemplos extremos (assim como o exagero da
caricatura) nos ajudam a compreender o mais sutil, como no caso de muitos que vão pela vida
oferecendo-se como pais aos necessitados de autoridade. Para alguém que gosta de mandar, a
obediência é uma declaração de amor, para conseguir filhos obedientes, não obstante, terá que se
oferecer como pai benevolente, como o lobo vestido de ovelha na fábula.
      No entanto, não é mais amoroso que o rol de pai o rol de filho, e a maioria dos covardes
passam a vida como orfãozinhos, buscando a proteção de alguém mais forte. Sua posição poderia
traduzir-se em um intercâmbio de admiração e reconhecimento. “Aceita-me como filho e te darei
minha devoção filial”.
      Não é que não existam diferenças de estatura na mente como no corpo, e não é que numa
relação determinada esteja bem que um ou outro tome certo tipo de decisões; porém não é
igualmente certo que a maior parte das pessoas é incapaz de relações fraternais igualitárias? É esta
a perturbação do amor que surge em resposta ao medo, e que é característica das pessoas em cuja
personalidade ele é central. Assim como alguns vão pela vida demasiado orfãozinhos buscando
proteção, existem outros que vão demasiado “paternalisticamente”. Um seduz pela inofensividade; o
outro oferecendo orientação e seu conhecimento de certas verdades. Trata-se, pois, de um pai que
diz como são as coisas, que se apaixona em ser um mestre, e que pede adesão, fidelidade e
obediência não só com os atos, mas também na maneira de ver.
      Independente de ser um problema a desconfiança ou a excessiva entrega a partir de um
sentimento de obrigação ou dever temeroso, existe o problema da ambivalência: existem amor e
ódio; confiança e desconfiança; domínio e, outras vezes, submissão – e uma contínua pergunta
acerca de qual seja o sentimento verdadeiro ou a atitude certa.  Penso que quando Freud definiu a maturidade como um deixar para trás a ambivalência
infantil, disse algo de validade universal, porém especialmente descritivo da situação do EVI, para
quem chegar a amar é destituir-se do ódio inerente à sua situação de inimizade frente a um mundo
fantasmagórico.
      Além da presença da agressão no ambivalente mundo do temeroso, o amor dificulta seu
caráter acusatório que pode fazer-se torturador.
      Não se pode falar de amor a alguém quando se tem a posição autocondenadora
característica da psiquis do EVI. Falta amor pela própria criança interior nesta psiquis que funciona a
partir do controle – enaltecendo o dever – mais que a partir do desejo. Pode-se dizer que,
acusatoriamente, o temeroso se endemoniza: um demônio interior aponta para fora de si dizendo “lá
está o demônio” e os principais acusados são a espontaneidade e o corpo. Tudo tem que passar
pelo controle consciente, porque implicitamente se pensa (na linha de Freud) que se tem um fundo
monstruoso que, se liberado seria algo horrível e incompatível com a vida civilizada.
      No tocante às relações de casal e ao mundo social, aparecem o medo e a agressão em
contínuo intercâmbio. Teme-se a espontaneidade como se fosse agressão e a repressão engendra
agressão verdadeira. Seguramente a quantia de agressão em nosso mundo é, em parte, reflexo da
grande proeminência do caráter EVI em seu seio.
      Com respeito ao mandamento de amar a Deus sobre todas as coisas, pode parecer que os
EVI não são culpáveis como o são em sua falta para com os outros dois amores. Existe uma
tendência religiosa, uma tendência ao arquetípico, ao mundo ideal, que às vezes se torna um
substituto de valor no mundo da ação, como sugere esta história de Nasruddin na qual um alfaiate
diz que vai entregar um traje para certa festa “se Deus quiser”. O cliente lhe pergunta: “E quando
seria se deixarmos Deus fora do assunto?”. Também o religioso substitui o aspecto emocional
interpessoal. Basta pensar no amor de tantos nazistas por sua mitologia, seus clássicos e a grande
música, em uma atitude segundo a qual “meu Deus é maior que teu Deus, minha cultura é maior que
a tua” ou “estou mais próximo da grandeza que tu”.
      O indivíduo sente-se endeusado pela proximidade a seu Deus, porém nisto existe algo
dessa paixão de endeusamento que é parte do sistema paranóide. Nele a busca de amor se
transforma em anseio de poder, que é por sua vez desejo de identificar-se com o pai poderoso.
Canetti o ilustra em seu personagem que ruge do alto do Sinai com grande juba. De forma
paternalista quer confundir o outro (e seguramente se confunde) em interpretar, como amor aos
demais, sua paixão de lhes impor a verdade segundo o Livro dos Livros. É assim como o amor a
ideologias ou a personagens quase divinos se sente  próximo ao amor a Deus, porém trata-se de
uma espécie de narcisismo vicário; como uma criança que diz à outra de sua idade “meu pai é maior
que teu pai, olhe como é grande o meu pai”.
  

quarta-feira, junho 02, 2010

ENEATIPO III. AMOR NARCISISTA

      Enquanto me pergunto como ou o que é o amor-vão, evoco uma cena de um antigo filme 
sobre as mulheres de Henrique VIII em que uma de suas amantes irrompe na sala do palácio no 
mesmo momento em que o verdugo se dispõe a cortar a cabeça de sua predecessora. Vai 
perguntar-lhe qual é o vestido que deve usar esta noite. O que sobressai na cena  é a monstruosa 
desconexão de um mínimo laço amoroso por sua rival, absorta como está em seu próprio prazer. 
Porém não se trata de um prazer propriamente dito, mas de um produto deserotizado do eros: a 
paixão por sua aparência. 
      Que a vaidade seja um produto da degradação do amor, recorda-me particularmente o 
sonho de uma mulher de caráter vaidoso no qual, em meio a uma grande conflagração mundial, só 
queria que a levassem para comprar um vestido, dando claras mostras de que não lhe interessava o 
que estava acontecendo. Sente-se na cena como uma menininha que quer a si mesma e deseja que 
a queiram por esta distinção. 
      Tal preocupação com a imagem chama-se comumente “narcisismo”, e por isto se poderia 
falar do amor do vaidoso como um amor narcisista. Ainda que o termo “narcisista” tenha sido 
aplicado a diversos tipos humanos, e o interesse por roupas, cosméticos e aparência pessoal seja 
somente uma das manifestações do narcisismo próprio do eneatipo III, tão freqüente como a 
imagem de si como pessoa competente, como alguém que pode fazer, e tem capacidades. 
Antecipando-me um pouco ao tema do capítulo final (sobre os males da sociedade) direi que o 
competitivo afã de eficiência asfixia a própria capacidade amorosa e torna irrelevante a alheia. Uma 
breve historieta de Quino o expressa muito bem: vê-se num primeiro quadro, alguém como um 
empresário, sentado em seu escritório, lendo uma passagem do evangelho que diz que “é mais fácil 
um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. Na imagem 
seguinte, ele aparece telefonando para o Museu de História Natural do Cairo para informar-se das 
dimensões de um camelo. Em seguida, encarrega sua secretária de fazer uma chamada para a 
metalúrgica Krupp… somos narcisistas tanto quanto vendemos nossas almas pela glória – uma 
entidade que só existe no olho alheio. É paradoxal que um aparente amor a si mesmo (indulgência 
quanto ao próprio desejo tipo menininha que quer que lhe comprem um vestido) conviva com uma 
incapacidade de valorizar a si mesmo. A própria valorização faz-se dependente de um espectador
que aprova, quer e distingue ou, mais exatamente, a valorização do mundo torna-se um paliativo 
que distrai da vivência de vacuidade, artificialidade e perda de identidade. 
      Trabalhar para a própria imagem distrai de trabalhar para si, e do mesmo modo constitui 
uma anteposição ao natural e espontâneo resultando em uma boa capacidade de controle sobre os 
próprios atos. Porém um excessivo autodomínio supõe um obstáculo para a capacidade amorosa, 
pois implica em uma não-capacidade de entrega. Tão acentuada está a valorização do controle que 
empalidece a do amor, que pode ser sentido como algo secundário em relação ao trabalho ou ao 
êxito, algo sentimental, piegas, de mau gosto. 
      Uma complicação é a competição com o companheiro; outra, o excessivo controle do 
companheiro ou dos filhos; uma terceira, a dificuldade da entrega, que pode manifestar-se a nível 
físico como na caricatura de Jodorowsky: um super-homem sexual elástico com infinitos dedos que 
terminam em línguas, com uma extraordinária capacidade de dar prazer que tanto o absorve que 
não lhe sobra atenção para gozar. Por trás desta incapacidade de entrega está a desconfiança, o 
medo da rejeição, o medo de cair no vazio; uma desesperança de fundo num caráter aparentemente 
otimista: sentir que tem que manter tudo sob controle, cuidar de si mesmo. 
      Para a pessoa cuja imagem exige autodomínio e domínio das situações pode ser que o 
anseio de amor se associe a um anseio de deixar-se dominar, e com razão, pois somente com a 
renúncia do seu próprio domínio e manipulação pode permitir-se ser profundamente tocada. Lembro-
me de ter visto este tema tratado no cinema em Swept away, onde uma mulher desenvolve uma 
paixão intensa por seu companheiro de naufrágio depois que este a seduz. No entanto, passado o 
período em que o amor envolve sacrifício de vaidade, este pode ser reinterpretado como mero 
masoquismo, e igualmente ocorre quando o sacrifício da própria imagem não chega a ser 
correspondido com o amor desejado. 
      O amor narcisista é um falso amor, diferente do amor acariciante do EII já que se expressa 
mais em atos do que na expressão emocional. Associa-se a uma atitude efetivamente mais serviçal. 
No entanto é mais terno que o EI, cuja benevolência é menos sentida. Todavia, ante a frustração, 
torna-se acusador e adota uma posição de vítima agressiva. Não é que reclame como o EIV, pois 
fala pouco o que sente, porém com sua acusação fere a autoestima de quem o frustrou. Expressa a 
sua raiva sem escândalo aparente, porém com palavras cortantes, precisas e afiadas – e 
preferivelmente diante de testemunhas. É nestes momentos, nestas fases da relação, que se torna 
mais notório o fato de que não acredita verdadeiramente no amor. Mesmo quando o recebe não 
pode acreditar nele, pois não poderia ser resultado de sua arte de seduzir e de sua aparência, de 
sua capacidade de deslumbrar e de ocultar os próprios defeitos? A dúvida – mesmo que afastada da 
consciência – alimenta a sedução, e quanto mais se entrega ao cultivo de sua imagem, mais à 
mercê do outro fica e mais se defende dele através do domínio de si e do cultivo da independência. 
Sua independência se nutre da dependência de outros: é o poder que confirma o haver-se tornado 
indispensável. O amor do EIII, portanto sabe fazer-se indispensável e alimenta a dependência.  
      Enganam-se o homem e a mulher plásticos, ao desconhecer sua inumanidade e assim 
poder manter uma ilusão de benevolência. Dominam o papel amoroso, como dominam 
eficientemente todos os papéis; ignorantes do seu sentir, confundem facilmente o sentimento 
imaginado com a realidade. O mesmo rol amoroso pode ser difícil de sustentar, dado que a 
intensidade da paixão por gostar gera intolerância à crítica ante o perigo da frustração. As facetas da 
perturbação amorosa que então aparecem são a frieza e a agressão. 
      O amor ao tu está submerso na própria imagem. É, um amor cimentado na necessidade de 
validação pelo outro; orienta-se a serviço da necessidade do outro e pode-se dizer que o segundo 
serve ao primeiro (quer dizer, a necessidade do outro é primária, e a generosidade, uma estratégia 
sedutora). 
 No mundo das relações em geral, pode-se afirmar que este caráter necessita do outro, por 
que se sente através do seu reconhecimento; é mais amistoso do que a maioria, mais extrovertido, 
mais voltado  para o outro. Irradia alegria, benevolência e adaptabilidade, mas também 
superficialidade. Tanto no plano social como no das relações sentimentais pode-se falar de um amor 
sedutor, já que aparenta estar mais com o outro do que verdadeiramente está, e encobre a forma 
como se serve dele. Uma obra prima na retratação desta situação é o personagem de Becky em La 
feria de las vanidades (A feira das vaidades) de William M. Thackeray.
      O amor a Deus no caráter vaidoso tende a ser eclipsado pelo amor humano em suas duas 
formas: amor a si e ao próximo. Este traço característico seguramente contribui para a secularização 
da cultura norte-americana e do mundo moderno em geral. O sentido prático e o utilitarismo 
predominam sobre os valores universais; admira-se as pessoas porém não se valoriza o abstrato ou 
transpessoal. Quanto a um caminho espiritual trata-se no geral do tipo de pessoa que diria: “Que 
caminho?” Enfim, uma pessoa mundana, como caricaturiza Chaucer no personagem do monge 
elegante e prático em Contos de Canterbury.