sábado, maio 15, 2010

ENEATIPO VII. AMOR-PRAZER

      
      Resulta oportuno uma vez mais continuar nossa exposição com o sétimo eneatipo, já que se 
trata igualmente de um caráter sedutor e carinhoso. Só que sua forma de sedução é um pouco 
diferente e diferente é também sua forma de amar. A pessoa auto-indulgente necessita antes de 
tudo de um amor indulgente e, como aprecia não ser exigido e que não sejam postos limites, 
também oferece ao outro permissividade; tanto é assim que la Bruyére, em sua contemplação dos 
caracteres humanos, chamou a atenção sobre um que parece empenhar-se em cultivar no outro 
seus vícios e enaltecê-los. 
      Se o amor ideal que o orgulhoso tanto busca como oferece é um amor-paixão, o ideal de 
amor do guloso é mais suave, tranqüilo e a salvo de problemas. Um amor agradável que busca o 
agrado e que poderia chamar-se um “amor galante”, em associação com a vida cortesã da época 
de Fragonard e a corte de Luis XIV. Vem ao caso citar o que disse Hipólito Taine ao comparar esta 
forma de amor com aquela exaltada por Boccaccio: 
      “Boccaccio leva a sério o prazer; a paixão para ele, além de física, é veemente, 
constante inclusive, freqüentemente rodeada de acontecimentos trágicos e assaz medíocre 
para divertir. Nossas fábulas são alegres de maneiras muito distintas. O homem busca nelas 
a diversão, não o desfrute, é jocoso e não voluptuoso, guloso e não glutão. Toma o amor como um passatempo, não como uma embriaguez. É fruto bonito que colhe, que saboreia e 
que abandona."
      Pode-se dizer que a psicologia do EVII tende a uma confusão entre  o amor e o prazer – e 
portanto entre o amor e a não interferência na satisfação dos desejos. Porém a expressão amor-
prazer não evoca plenamente o fenômeno do amor tão leviano deste caráter amável e jovial que 
nem quer ser um peso para o outro, nem receber o peso de ninguém. Bem se poderia falar 
alternativamente de um amor-comodidade, o que nos convida a evocar tanto o aspecto grato e 
aprazível desta forma de vida amorosa como de sua limitação. 
      Uma ilustração da expressão menos que ideal de tal amor-comodidade nos é proporcionado 
por um chiste carioca – o que me parece apropriado em vista do espírito guloso do Rio de Janeiro -: 
uma mulher indignada reclama ao seu marido dizendo-lhe que a empregada está grávida. O marido 
contesta: “Isto é problema dela.” A mulher insiste: “Mas você a engravidou!” Ele replica: “Isto é 
problema meu.” “E eu, como fico?” Torna a mulher. O marido, despreocupadamente responde: “Isto 
é problema seu!” 
      Que um buscador de prazer bata em retirada diante da pessoa ou situação que anuncia 
aborrecimentos, compromissos, obrigações sérias ou restrições é, seguramente, um dos fatores que 
torna o amor guloso um amor instável, sempre exploratório: sabemos que tudo isto aumenta à 
medida que as relações se prolongam; porém não é o único fator, posto que a personalidade do 
guloso é, por si, curiosa e exploratória, e sempre o distante lhe parece mais atrativo que o que está  
próximo. 
      Precisamente a dificuldade de satisfazer-se no aqui e agora do mundo real é outro problema 
importante na vida amorosa dos “orais otimistas”, que constantemente os empurra para o ideal, o 
imaginário, o futuro, o remoto. Pensam que é o desejo o que os aliena do presente, porém é 
duvidoso que isto seja mais que uma aparência subjetiva: mais seguramente é uma implícita 
insatisfação que motiva sua contínua busca pelo diferente. E dificilmente o ideal por uma suavidade 
completamente indulgente que busca o guloso pode acontecer na experiência real pouco além do 
período de encantamento de uma relação nova. A vida tem seus problemas e, no mundo físico, todo 
cômputo deve tomar em consideração o atrito. O amor-prazer busca relações sem atritos  e sabe 
encontrá-las, só que em escassa medida podem chamar-se relações. Isto é ilustrado 
eloqüentemente por desenho de William Steig que apesar de não se referir ao amor em si, trata da 
relação humana.  
      Existe no EVII uma atitude amistosa generalizada. Trata-se do indivíduo que vai ao 
restaurante e, rapidamente conhece o garçom ou a cozinheira; conhece também as pessoas do 
mercado e entra em conversação facilmente. Sua atitude igualitária contribui para isto e é parte de 
seu caráter amável, simpático e sedutor. Qual é a base disto? Camaradagem? Existe um aspecto . exploratório e, ademais, uma busca de novidades e de experiências, uma busca de possibilidades, 
de marketing, por parte de quem está sempre procurando promover-se. Lembra o homem de 
negócios que busca um mercado, e seja quem for que encontre, quer conhecer a situação para ver 
se descobre oportunidades. Também destaca o aspecto de jogo: como é uma pessoa lúdica, 
aproxima-se do outro como faz uma criança em relação a alguém com quem pode brincar. 
      Pode-se entender a base desta não-relação a partir da informação que nos oferece o 
eneagrama sobre este eneatipo; um eneatipo (EVII) que se relaciona com os anti-sociais (EVIII) e 
também com os ensimesmados e distantes (EV). Na medida em que o guloso se parece com o 
luxurioso, vai pela vida como Don Juan, em busca de uma presa, e por mais que se apresente como 
um galã, leva dentro de si o aproveitador e, também, um esquizóide mais interessado em si mesmo 
do que no outro. Esta outra forma de egoísmo seria inaceitável para os demais se não fosse 
compensada por uma dose ao menos equivalente de generosidade galante. 
      Assim como o guloso é, em geral, um especialista em tornar aceitáveis os seus desejos, 
também é certo que no terreno específico do amor uma pessoa com este caráter tem pouca 
dificuldade em fazer-se conceder seus gostos – mesmo quando representem sacrifícios e saiam do 
convencional, como é o caso da infidelidade. Lembro-me de uma historieta de Quino que 
representava um personagem com características fisionômicas típicas de um charlatão, em seu 
consultório de médico rodeado de diplomas. Uma anciã que tinha vindo consultá-lo 
(presumidamente por um mal cardíaco)  é testemunha das instruções que dá para sua secretária: 
“Por favor, se minha mulher ligar, diga que se comunique com minha senhora para que combinem 
com minha esposa o aniversário dos meninos.” Na vinheta seguinte se vê que a velha senhora 
passou muito mal. 
       Na discussão que se faz dos traços do caráter narcisista no DSM-III põe-se em relevo o 
entitlement, que poderia traduzir-se por um sentir-se com direitos de talento, direitos de 
superioridade. Porém, a superioridade que o EVII persegue em uma relação amorosa é diferente 
daquela dos que vão pela vida como pessoas importantes e assumem um papel de autoridade. 
Neste caso trata-se de uma importância mais sutil: não é que espere ser obedecido, mas escutado e 
reconhecido como alguém que está inteirado. O homem pode esperar que a mulher seja seu público 
por exemplo e, igualmente, ocorre com um pai em relação ao seu filho. Correlacionado à 
necessidade do charlatão de ser ouvido está o fato de que naturalmente não sabe ouvir, e pode ser 
que ele mesmo não se aperceba disto, já que oferece grande empatia em sua atitude atenta. 
Também em matéria de paternidade, o amor dos auto-indulgentes é menor do que aparenta ser, 
devido ao seu talento persuasivo e seu encanto. Um pai pode apenas estar presente em seu lugar e 
fazer-se querer, no entanto, através de presentes e sorrisos, de modo que seus filhos não se 
apercebam de sua ausência até estarem crescidos. Neste caso, parte de sua oferenda amorosa 
será a permissividade – só que às vezes os filhos chegam a percebê-la como um não querer 
incomodar-se e intuem que se sentiriam mais queridos se lhes fossem impostos limites.  Vejamos 
agora como é, nos encantadores, a distribuição da energia psíquica entre as três 
correntes amorosas que vimos anteriormente. 
      A hierarquia entre os três amores é, no geral, um pouco diferente do caso dos orgulhosos. 
Enquanto que naqueles o amor pelo divino se vê praticamente eclipsado pelo amor a si mesmo e o 
amor ao outro, nos gulosos acontece mais freqüentemente uma orientação religiosa e,  ainda 
quando este não é o caso, pode-se falar de um amor ao ideal que corresponde ao âmbito do amor 
ao divino na forma mais ampla que entendo este termo. 
      Precisamente a religiosidade ou os afãs espirituais podem constituir um escape para as 
pessoas com este caráter, pois não apenas as leva a desatender o imediato e o possível em troca 
do remoto e impossível, como também por uma dificuldade em matéria de disciplina e uma limitada 
capacidade de encarar-se com as incômodas profundidades da própria psiquis, freqüentemente os 
torna  amateurs que se amparam na espiritualidade sem entrar num processo de transformação 
profunda. 
      Com respeito ao amor por si mesmo, a auto-indulgência do EVII é algo como a de um pai 
acomodado e sedutor mais do que a de um bom amigo de si mesmo. Porém naturalmente o amor-
prazer é um intento de ressarcir-se ante um sentimento mais profundo de privação (como indica o 
movimento entre o EV e o EVII no eneagrama). Busca-se o prazer justamente para fugir do 
incômodo psicológico da angústia e da culpa e, na mesma medida, foge-se do próprio desamor e da 
auto-rejeição. 
      O amor-dar, como já explicado, é neste caráter, tanto como no anterior, elemento de 
sedução. Pode-se dizer, portanto, que é uma amabilidade e uma disponibilidade estratégicas. Bem 
as pintou La Fontaine em suas fábulas da raposa, que se mostra sempre amável com os objetos de 
seu desejo. Podemos também falar de um amor oportunista. Como ilustração deste tipo pode servir 
o título que um humorista deu a um de seus livros: Al patrimonio por el matrimonio. (Ao patrimônio  
pelo matrimônio.) 
(Cláudio Naranjo)

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